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Sumaúma: Jornalismo do Centro do Mundo
Edição 34
quinta-feira, 1 fevereiro, 2024
Carnaval 2024: conexão centro-centro
Eliane Brum
Altamira, Pará, Rio Xingu, Amazônia

Para um estrangeiro, pode ser difícil entender como lideranças Yanomami enfrentam um genocídio que nos últimos cinco anos matou mais de 700 crianças com menos de 5 anos por doenças evitáveis, como verminoses, pneumonia e malária, e, ao mesmo tempo, vão desfilar como destaque no Sambódromo do Rio de Janeiro. Para isso, é necessário compreender a raiz profundamente transgressora do Carnaval. Convertido em business, financiado em grande parte pelo jogo do bicho, reduzido a espetáculo, tudo isso é o desfile das escolas de samba do grupo especial no Rio de Janeiro. Mas há algo que sempre escapa dessa captura – e esse algo é a insubordinação da festa mais popular do Brasil, fincada na resistência contra todas as formas de destruição dos corpos subjugados. Essa energia de vida que com frequência é quase engolida pela máquina de mastigar cultura e cuspir entretenimento em alguns momentos se renova e se fortalece. Tudo indica que o Carnaval da escola de samba Salgueiro poderá ser um desses momentos, em que os dois corpos sobre os quais o Brasil foi construído – o dos negros e o dos Indígenas – se encontrarão em gesto de catarse.

Não por acaso Davi Kopenawa – principal líder político, xamã e diplomata do povo Yanomami – fez apenas uma exigência ao comando do Salgueiro: que não os retratassem como vítimas, mas como agentes de resistência. É o que conta a repórter especial Claudia Antunes, que mergulhou na jornada e nas relações que tornaram possível o Morro do Salgueiro e a floresta dos Yanomami se encontrarem neste Carnaval.

Em SUMAÚMA, esse encontro é analisado a partir dos valores que defendemos em nosso manifesto de fundação: o urgente deslocamento dos conceitos do que é centro e do que é periferia para sermos capazes de enfrentar o colapso climático produzido pela minoria dominante de bilionários e supermilionários, aqueles que Davi Kopenawa chama de “comedores de planeta”. Isso significa que os centros geopolíticos e culturais das cidades não são as áreas onde vivem os mais ricos, mas as chamadas periferias, onde a maioria da população resiste criando tecnologias de existência e resistência.

Para um europeu ou um norte-americano, talvez possa ser difícil compreender como alegria e genocídio podem coexistir, como ritual fúnebre e dança podem coexistir. Mas invocar a vida, o corpo e os sentidos é talvez a única forma de rexistir – resistir para existir. Por isso também o Carnaval tem incomodado tanto a extrema direita bolsonarista e o fundamentalismo evangélico de mercado nos últimos anos. Ao tomar as ruas das quais as pessoas passam o ano apartadas e arrancar os corpos da frente das telas para encarná-los alguns dias e noites pelo prazer, o Carnaval ainda consegue escapar de todas as apropriações e tentativas persistentes de controle.

No desfile do Salgueiro, mesmo com todas as contradições, será celebrada uma aliança entre povos que compreendem a alegria como poderoso instrumento de resistência – a alegria como potência de agir.
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